Comunicado


Justiça decreta nulidade do ato declaratório interpretativo

Em decisão de primeira instância, a Justiça Federal decretou a nulidade do Ato Declaratório Interpretativo Número 2, de 2019, que gerou as notificações da Receita Federal para postos de combustíveis, enviadas em 2019. A ação foi impetrada pela Fecombustíveis, representando todos os sindicatos filiados, incluindo o Paranapetro. Ainda cabe recurso.

O Ato Declaratório se referia ao Adicional de Aposentadoria Especial (SAT). 

Confira decisão na íntegra:

 

 

Seção Judiciária do Distrito Federal 

17ª Vara Federal Cível da SJDF

______________

SENTENÇA: TIPO A

PROCESSO: 1044497-38.2019.4.01.3400

CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: FEDERACAO NACIONAL DO COMERCIO DE COMBUSTIVEIS E DE LUBRIFICANTES

REU: UNIAO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

 

  

SENTENÇA

 

 

Cuida-se de ação anulatória, com pedido de tutela de urgência, proposta pela Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes (FECOMBUSTIVEIS) em face da União Federal (Fazenda Nacional), objetivando, em síntese, o reconhecimento da nulidade do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019.

 

Afirma a autora, em abono à sua pretensão, que a edição do ato infralegal implica violação da Lei n. 8.213/91 e do Decreto n. 8.123/2013, uma vez que foi estabelecido critério qualitativo para a cobrança do adicional do SAT, sendo que nas normas de regência foi eleito critério quantitativo da presença da substância benzeno. Destaca, ainda, que em razão da edição do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019, as sociedades vinculadas ao ente sindical autor foram notificadas para que realizem o pagamento da diferença do adicional do SAT, o que demonstra evidente prejuízo com a vigência do ato aqui impugnado.

 

Com a inicial vieram documentos e procuração. Custas pagas.

 

Em despacho, id. 145101391, foi determinada a oitiva da Fazenda Nacional sobre o pedido de provimento liminar formulado.

 

Devidamente intimado, o órgão de representação judicial da União apresentou manifestação id. 147646883, no qual postula o indeferimento da tutela de urgência.

 

Em decisão preambular, Id. 149804376, foi deferido parcialmente o pedido de tutela de urgência.

 

Em petição apartada, a PRL PETRÓLEO II LTDA. requereu o reconhecimento como substituída processual e interessada na ação anulatória em comento; e, o aclaramento, pelo D. Juízo, de forma expressa, que a tutela de urgência deferida se estende e favorece a peticionária, bem como todos os demais postos de combustíveis do país, nos termos requeridos na inicial, Id. 153273874.

 

A ABRILIVRE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REVENDEDORES DE COMBUSTÍVEIS INDEPENDENTES E LIVRES, requereu o seu ingresso como assistente simples na ação anulatória em comento, pois a parte autora, a FECOMBUSTÍVEIS é a representante sindical da categoria da peticionária. Requereu, também, que a tutela concedida seja-lhe confirmada, Id. 153435362.

 

A empresa JÓIA COMBUSTÍVEIS LTDA e AUTO POSTO OESTE PLAZA LTDA também requereram o ingresso como terceiro interessado, ids. 154620933, 154620934 e 166647393.

 

A SINDCOMB – SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES E DE LOJAS DE CONVENIÊNCIA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO e VENI COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA. requereu seu ingresso como assistente litisconsorcial da parte autora, ids. 155490431 e 167626436.

 

O POSTO BEIRADEIRO LTDA requereu seu ingresso como representante e substituído processual, bem como que a tutela concedida seja-lhe estendida, id. 156572860.

 

A JARDIM ELITE AUTO POSTO LTDA, substituída pela parte autora, requereu que sejam afastadas as obrigações constantes da Intimação para Pagamento IP nº 00135366/2020; seja notificado o Delegado da Receita Federal do Brasil em Piracicaba/SP, e que a União Federal se abstenha de incluir o nome da requerente no CADIN e na Dívida Ativa de União, ou de realizar penhora ou arresto de bens e aplicar acréscimos de 10% a 20%, em caso de não regularização do débito apontado como devido pela RFB., id. 177861349.

Despacho, id. 180729388, intimou as partes a manifestarem-se sobre os pedidos de habilitação e de assistência, acostados ao caderno processual.

 

A Fazenda Nacional, comunicou a interposição de agravo de instrumento em face da r. decisão que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, ids. 147646885, 185544393 e 185544394.

 

Devidamente citada, a União contestou a demanda sustentando, a legalidade relacionada a regulamentação da matéria, uma vez que o órgão limitou-se a esclarecer que a exigibilidade da contribuição social ao SAT está associada à previsão da concessão de benefício de aposentadoria especial à categoria, em manifesto cumprimento daquilo que determina o art. 195, §5º, da Constituição Federal, o qual estabelece a necessidade de precedência da fonte de custeio para a concessão de qualquer benefício ou serviço. Requer a improcedência do pedido. Id. 185544391.

 

Em atenção ao despacho id. 180729388, a União ressaltou que não se opõe ao deferimento dos pedidos de habilitação formulados nos autos pelos substituídos processuais representados pela autora, id. 192856385.

 

A empresa IBEFIL COMBUSTIVEIS LTDA requereu o reconhecimento de sua condição de substituída da parte autora, bem como que a tutela concedida seja-lhe estendida, id. 195063366.

 

A ABRILIVRE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE REVENDEDORES DE COMBUSTÍVEIS INDEPENDENTES E LIVRES e PRL PETRÓLEO II LTDA. E OUTROS comunicaram a edição da Portaria nº 6.735/2020, a qual alterou a redação da NR nº 09, no que diz respeito à Avaliação e Controle das Exposições Ocupacionais a Agentes Físicos, Químicos e Biológicos, para que seja levada em consideração quando da prolação de decisão final nos autos da presente Ação Anulatória, ids. 211135895 e 234309428.

 

A empresa COMBUSTÍVEIS PRESIDENTE LTDA, JUVENAL ÂNGELO & CIA LTDA, MARIA DA CONCEIÇÃO CARVALHO REIS requereram o reconhecimento de sua condição de substituída da parte autora e seu ingresso no feito como assistente litisconsorcial da autora, ids. 225745417 e 247916351.

 

Em Réplica, a parte autora reitera todo o alegado em sua peça inicial, id. 236606877.

AUTO POSTO PEÃO LTDA também requereu o ingresso como terceiro interessado, id. 270200025.

 

A parte autora comunicou a publicação do Decreto nº 14.410/2020 e requereu seja declarado nulo e ilegal o Ato declaratório Interpretativo RFB nº 2/2019, bem como todos os “Aviso Para Regularização De Tributos Federais”, que determinam a regularização do SAT, id. 288748411.

SOLON DE MENEZES ARAUJO & CIA LTDA e FRIGGI & ARAUJO AUTO POSTO LTDA requeram o reconhecimento de sua condição de substituída da parte autora e seu ingresso no feito como assistente litisconsorcial da autora, ids. 294917868 e 294954385 e a extensão dos efeitos da tutela de urgência deferida em favor da empresa Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes – FECOMBUSTÍVEIS, id. 411823852.

 

Em atenção ao despacho id. 300971873, a Fazenda Nacional manifestou-se sobre a petição id. 288748411, destacando que não houve alteração do critério de avaliação do agente nocivo, tendo sido mantido o critério qualitativo para aferição dos riscos relacionados aos agentes reconhecidamente cancerígenos em humanos, id. 307567871.

 

AUTO POSTO LINDA IGUAPE EIRELI requereu o ingresso no presente processo, objetivando a extensão dos efeitos da tutela de urgência deferida, id. 570278420.

 

É o relatório. Decido.

 

De logo, ressalto que a presente demanda qualifica-se como de natureza coletiva, uma vez que fora proposta por federação sindical de espectro nacional.

 

Nesse descortino, somente as entidades e pessoas jurídicas comprovadamente a ela vinculadas encontram-se submetidas aos efeitos dos atos judiciais neste feito praticados. E assim deve ser em nome da preservação do juiz natural, postulado de imensa relevância no sistema processual nacional, o qual visa obstar a escolha de juízos e foros pelo jurisdicionado, de modo a preservar a impessoalidade e a segurança jurídica.

 

Com efeito, rejeito todos os pedidos intervenção de terceiros. Outrossim, os pedidos de habilitação serão apreciados no momento oportuno, quando do cumprimento desta sentença.

 

Analisando a demanda em questão, tenho que anterior decisão que avaliou o pedido de tutela, mesmo que proferida em cognição sumária, bem dimensionou o tema de fundo desta demanda, razão pela qual colaciono o seguinte excerto:

 

O deferimento da tutela provisória de urgência requer a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300 do NCPC.

 

Tenho que se encontram preenchidos os requisitos para o deferimento da medida postulada.

 

Eis o teor do ato regulamentar aqui impugnado:

 

Art. 1º Ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição social adicional para o custeio da aposentadoria especial de que trata o art. 292 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, é devida pela empresa, ou a ela equiparado, em relação à remuneração paga, devida ou creditada ao segurado empregado, trabalhador avulso ou cooperado de cooperativa de produção, sujeito a condições especiais, nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial, conforme dispõe o § 2º do art. 293 da referida Instrução Normativa.

 

Art. 2º Ficam modificadas as conclusões em contrário constantes em Soluções de Consulta ou em Soluções de Divergência, emitidas antes da publicação deste ato, independentemente de comunicação aos consulentes.

 

É cediço que para a concessão de aposentadoria especial faz-se necessário a comprovação de efetiva exposição aos agentes nocivos químicos pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício, vide art. 57 da Lei n. 8.213/91. Nesse descortino, causa-me espanto a norma acima transcrita estabelecer verdadeira presunção acerca do eventual direito à concessão de aposentadoria especial aos trabalhadores vinculados às empresas que realizam o comércio de combustíveis e lubrificantes.

 

No particular, é recomendação do próprio texto constitucional – art. 201, § 1º, inciso II – que a qualificação da atividade como especial não pode ser vinculada a categoria profissional ou ocupação, sendo imprescindível a comprovação da efetiva exposição ao agente químico tido por prejudicial pela Administração.

 

Com efeito, a presunção estabelecida pelo ato neste caderno processual impugnado não guarda compatibilidade com as diretrizes do texto constitucional e da Lei n. 8.213/91, quanto mais ao prever que a comprovada neutralização do agente químico benzeno resulta, ainda assim, na plena exigência do adicional para a contribuição para o seguro de acidente do trabalho (SAT), em desalinho a determinação legal e constitucional no sentido de que a aposentadoria especial só poder ser deferida aos trabalhadores que comprovem real exposição ao agente químico prejudicial à saúde.

 

Ao que se tem, a administração tributária busca identificar fonte de custeio de benefício previdenciário cujo deferimento e concretização somente será possível a partir da verificação específica, consistente e duradoura da exposição de trabalhadores ao produto benzeno, o que, ao meu sentir, ao menos em sede de cognição sumária, não se mostra apropriado.

 

Lado outro, não identifico nos avisos para regularização de tributos federais carreados aos autos concreta vinculação ou efetiva pertinência com à edição do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019, sendo que nos referidos comunicados é oportunizado aos contribuintes demonstrar o grau de exposição de seus trabalhadores ao benzeno, devendo proceder ao recolhimento de eventual valor devido no caso de apresentação equivocada da GFIP. Destarte, não compreendo como plausível o pedido de suspensão dos efeitos das referidas comunicações, notadamente diante da natureza coletiva desta demanda.

 

Nesse descortino, neste momento processual, vislumbro plausibilidade em parte dos pedidos formulados. Neste particular, compreendo evidente o periculum in mora, diante da possibilidade cobrança do adicional para a contribuição para o seguro de acidente do trabalho (SAT) em bases alargadas.

 

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de tutela de urgência, para suspender a eficácia do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019, em relação às sociedades empresariais substituídas pela entidade sindical autora.

 

Direciono-me, agora em sede de cognição exauriente, depois de acurada análise dos elementos probatórios trazidos aos autos, por ratificar o entendimento acerca da nulidade no Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019.

 

 

Lado outro, não se mostra compatível com a natureza, e com os limites objetivos e subjetivos desta lide, a declaração ampla e irrestrita de nulidade de todos os “Aviso Para Regularização De Tributos Federais”, emitidos contra os postos de gasolina de todo o País, que determinam a regularização do SAT, para complementação de aposentadoria especial. Há que ser apurada a representatividade da parte autora no caso concreto, assim como os elementos singulares de cada ato administrativo, de modo que não se revela cabível e adequado o acolhimento de tal pretensão. 

 

De maneira que, calcado nas provas colacionadas aos autos, como também adstrito ao entendimento da legislação de regência, tenho que a parcial procedência da demanda é medida que se impõe.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO contido na inicial, nos termos do art. 487, incisos I e II, do CPC, para declarar a nulidade do Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 2, de 18 de setembro de 2019.

 

Condeno a parte ré no pagamento das despesas processuais, em reembolso, e dos honorários advocatícios, estes fixados no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, § 3º, I do CPC.

 

Interposta apelação, tendo em vista as modificações no sistema de apreciação da admissibilidade e dos efeitos recursais (art. 1.010, §3º, NCPC), intime-se a parte contrária para contrarrazoar. Havendo nas contrarrazões as preliminares de que trata o art. 1009, §1º, do NCPC, intime-se o apelante para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito, conforme §2º do mesmo dispositivo.

 

Sentença sujeita à remessa necessária.

 

Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.

 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

 

Brasília/DF,  26 de outubro de 2021.

 

 

 

 

 

(Assinado Digitalmente)

Diego Câmara

17.ª Vara Federal - SJDF

 

 

Postado em

16/02/2022 17:09